Conto: O Vigia Sensor Vigilante
Era hora de trabalhar.
Foi um dia, veio outro.
Era uma vez meus sonhos, sonhos agora esquecidos.
Neste dia triste, tiro a poeira deles e os afago com frios dedos dormentes e irônica admiração, pela ingenuidade da jovem que os sonhou.
O turno da noite seria longo.
Nesta época todos são assassinos.
Meu trabalho é vigilância.
Fico acordada para outros dormirem tranquilos.
Aceito.
Bloqueio.
Persigo pessoas pela rede de noite.
Noite de solitária vigilância é bem vinda, porque os indivíduos e as sociedades, os perdedores e os vencedores, o joão-ninguém e os donos da terra, do poder e do sistema, os criminosos propriamente ditos e os governos ou estados própria ou impropriamente estabelecidos todos são matadores.
Fui instruída.
Há o crime individual e o crime institucional.
O Estado, parte efetiva desta eterna luta que vem do início da raça, é o sobrevivente.
Eu trabalho para o Estado.
O trabalho até que não é ruim.
As noites tem mais de 12 horas.
O pagamento é razoável.
Porém o serviço não é nada fácil.
Nenhuma nação, nenhuma religião, nenhum sistema econômico, nenhum corpo de conhecimento pode oferecer todas as respostas quando está em jogo a nossa insanidade.
Sem companhia, sem nada acontecendo, sem nada para fazer além de olhar para as paredes e monitorar, vigiar, catalogar, punir, banir e bloquear.
Olhar paredes de concreto nu sem pintura.
Caminhar rondando setores diferentes a cada hora.
Durante o intervalo entre o caminhar, ficar vigiando monitores.
Observar no computador alertas dos sensores de movimento.
Escrever os mesmos repetitivos relatórios a cada duas horas.
Anos anos neste emprego e nunca fiz nada relevante.
Mas estamos aqui.
Isto era bom um dia.
Sorte tem, a pessoa que consegue suportar rotina.
Lucidez tem a pessoa que espera deste mundo apenas o suficiente e sem dividas, nunca passa necessidade nem deseja coisas inúteis.
Pensava assim.
As paredes ecoam o som de seus passos.
Passou por portas fechadas e trancadas.
Sabia que não havia nada nem ninguém atrás delas, somente mais paredes nuas.
Tanto fazia.
Já desistira de refletir sobre perguntas pessoais.
O silêncio era tanto que consigo ouvir as últimas gotas de chuva batendo em ampla janela blindada.
A imensa estrutura arquitetônica aonde estava era rodeada por estradas gigantescas de concreto.
Da passarela elevada que atravessava, via alguns saguões superdimensionados repletos de concreto nu sem pintura.
O mesmo que nada.
Um nada opressivo.
Aquele era um lugar que fazia a pessoa crer em fantasmas.
Fazia a mente pregar peças na gente.
Se a pessoa aceita rotina, fica calma e vazia, tudo aquilo perde o poder e se torna o que é.
Um espaço com um propósito específico que funciona apenas 4 horas por dia a cada 15 dias.
São 5 vigias em cada turno.
Quatro em cada um dos 4 cantos vigiando 90 graus.
O quinto vigia no centro, vigiando os outros 4 vigias para que eles não fiquem tão sós.
A maldade não mais existe, porque o bem foi embora e só ela permaneceu.
Este emprego é realmente um outro mundo.
Não preciso falar mais nada.
Era o o sensor vigilante.
Puro lixo.
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