Ela acordou

O que lembrar em uma viagem? O que levar em uma viagem?

Ela acordou.

Estava em um quarto, deitada em uma cama.

Não importava se era dia ou noite.

Do bolso de sua calça tirou uma escova de dentes.

Jogou a sobre a cama e se despiu.

Nua, pegou a escova de dentes.

Havia um banheiro, ela caminhou até ele.

Achou um sabonete lacrado em plástico na pia.

Lavou as mãos.

Lavou o rosto.

Escovou os dentes. Deixou a escova sobre a pia.

Usou o vaso sanitário por um bom tempo.

O chuveiro oferecia água fria e quente.

Tomou banho quente ensaboando-se toda, depois fez uso da água gelada por alguns minutos acordando totalmente.

Saiu do banheiro e de pé, enrolou o lençol da cama em seu corpo molhado.

Sacudiu os cabelos.

Jogou o lençol no chão e sobre ele, executou vinte flexões de braço, cinquenta abdominais.

Levantou-se. Conferiu as roupas que estava vestindo ao acordar.

Ainda estavam em condição de serem usadas, mas voltou ao banheiro com a calcinha que lavou, depois torceu bem.

Perto da cama vestiu-se completamente.

Em baixo da cama, encontrou uma bolsa feminina grande.

Dela retirou de uma nécessaire, ela continha loção, creme, sabonete, shampoo, desodorante, perfume, escova e pasta de dente, escova de cabelo e pente, cotonetes, pinça, espelho, absorventes femininos, alicate de unha, lixa, tesourinha, bandagens, bloqueador solar e labial, alguns remédios, colírio, rímel, sombra, batom, óculos escuro e preservativos.

Usou alguns produtos no corpo, na face e nos cabelos.

Engoliu alguns remédios a seco.

Conferiu o que mais havia na bolsa.

Tinha um bikini, luvas de couro preto, um cinto, passagem aérea, passaporte, tíquete de trem, travelers cheques e dinheiro, agenda de telefone e endereço, cartão de crédito, cartão telefônico, carteira de motorista, carteirinha de albergue, cópia de prescrições médicas de remédios, cópias de todos os documentos, inclusive travellers-checks. Haviam mapas, guias de hotéis e horários de trens, smartphone, binóculos, canivete, faca de caça, canetas, diário de viagem em branco, isqueiro, cigarros, lanterna.

Parecia tudo perfeito. Agora só faltava ela saber de quem eram aquelas coisas, pois de nada lembrava. Não sabia o próprio nome, sua cabeça estava contundida e seu corpo possuía marcas de combate.

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Até Breve!

🙂

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Bobagens, mentiras e invenções

Quase tudo é incontrolável.

Penso em ações construtivas.

Uso o pensamento para aprender atividade produtiva.

O passado não me atormenta.

Não me sinto só.

Não possuo uma gota de auto-piedade.

Não lamento nada.

Não me comparo com ninguém.

Não admiro ninguém.

Não desprezo ninguém.

Não odeio.

Odiar é fraqueza.

Sou imune a fúria.

A fúria leva ao fracasso.

Faço o que tiver que ser feito sem odio.

O melhor possível.

Algumas coisas que faço não podem ser desfeitas.

Faço o que tiver que ser feito sem fúria.

Merdas acontecem.

Sigo em frente.

Observo as pessoas.

Observo o ambiente ao meu redor com atenção.

Sou bom ouvinte.

Escuto muito.

Falo pouco.

Conheço quem pode me prejudicar.

Sei o nome dos que podem me ferir.

Sei onde trabalham.

Sei a placa de seus veículos.

Sei onde moram.

Me apresento diante de todos eles formalmente

usando poucas palavras, mas, civilizadas.

Conheço leis.

Sei sobre procedimentos.

Sei plantar vegetais.

Sei usar armas.

Sou fértil.

Espalhei sementes no mundo.

Ferdinando

Ele realmente te odeia.
Isso é insano.

Todos me odeiam.
Eles te odeiam.
Eles se odeiam.
É um monte de ódio.
Te deixa pra baixo se pensar muito nisso.

Mas vou embora hoje à noite.
Vamos sair daqui.
E ir para onde?
Para minha casa.

Sua casa não existe.
Sua casa é um sonho.
Só tem este mundo.
É só isso aqui.

Um mata o outro.
Tira vantagem.
Um cachorro come outro.
Cobra come cobra.
Rato come rato.
Todos odeiam as baratas.
Ninguém sai daqui vivo.

Te deixa pra baixo se pensar muito nisso.
Mas já passou.
Já passou!

Vou te mostrar teu novo cárcere.

Vamos sorrir.
Vamos brincar.

Beleza!

Texto, Bobagens, Mentiras e Invenções

Conto: O Vigia Sensor Vigilante

Era hora de trabalhar.

Foi um dia, veio outro.

Era uma vez meus sonhos, sonhos agora esquecidos.

Neste dia triste, tiro a poeira deles e os afago com frios dedos dormentes e irônica admiração, pela ingenuidade da jovem que os sonhou.

O turno da noite seria longo.

Nesta época todos são assassinos.

Meu trabalho é vigilância.

Fico acordada para outros dormirem tranquilos.

Aceito.

Bloqueio.

Persigo pessoas pela rede de noite.

Noite de solitária vigilância é bem vinda, porque os indivíduos e as sociedades, os perdedores e os vencedores, o joão-ninguém e os donos da terra, do poder e do sistema, os criminosos propriamente ditos e os governos ou estados própria ou impropriamente estabelecidos todos são matadores.

Fui instruída.

Há o crime individual e o crime institucional.

O Estado, parte efetiva desta eterna luta que vem do início da raça, é o sobrevivente.

Eu trabalho para o Estado.

O trabalho até que não é ruim.

As noites tem mais de 12 horas.

O pagamento é razoável.

Porém o serviço não é nada fácil.

Nenhuma nação, nenhuma religião, nenhum sistema econômico, nenhum corpo de conhecimento pode oferecer todas as respostas quando está em jogo a nossa insanidade.

Sem companhia, sem nada acontecendo, sem nada para fazer além de olhar para as paredes e monitorar, vigiar, catalogar, punir, banir e bloquear.

Olhar paredes de concreto nu sem pintura.

Caminhar rondando setores diferentes a cada hora.

Durante o intervalo entre o caminhar, ficar vigiando monitores.

Observar no computador alertas dos sensores de movimento.

Escrever os mesmos repetitivos relatórios a cada duas horas.

Anos anos neste emprego e nunca fiz nada relevante.

Mas estamos aqui.

Isto era bom um dia.

Sorte tem, a pessoa que consegue suportar rotina.

Lucidez tem a pessoa que espera deste mundo apenas o suficiente e sem dividas, nunca passa necessidade nem deseja coisas inúteis.

Pensava assim.

As paredes ecoam o som de seus passos.

Passou por portas fechadas e trancadas.

Sabia que não havia nada nem ninguém atrás delas, somente mais paredes nuas.

Tanto fazia.

Já desistira de refletir sobre perguntas pessoais.

O silêncio era tanto que consigo ouvir as últimas gotas de chuva batendo em ampla janela blindada.

A imensa estrutura arquitetônica aonde estava era rodeada por estradas gigantescas de concreto.

Da passarela elevada que atravessava, via alguns saguões superdimensionados repletos de concreto nu sem pintura.

O mesmo que nada.

Um nada opressivo.

Aquele era um lugar que fazia a pessoa crer em fantasmas.

Fazia a mente pregar peças na gente.

Se a pessoa aceita rotina, fica calma e vazia, tudo aquilo perde o poder e se torna o que é.

Um espaço com um propósito específico que funciona apenas 4 horas por dia a cada 15 dias.

São 5 vigias em cada turno.

Quatro em cada um dos 4 cantos vigiando 90 graus.

O quinto vigia no centro, vigiando os outros 4 vigias para que eles não fiquem tão sós.

A maldade não mais existe, porque o bem foi embora e só ela permaneceu.

Este emprego é realmente um outro mundo.

Não preciso falar mais nada.

Era o o sensor vigilante.

Puro lixo.

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Meu caro (a)

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A maior parte dessa gente vai te enganar o tempo todo.

Só pensam em dinheiro.

A decência e dignidade são distribuídas as pessoas em doses desiguais.

Pare um minuto.

Eu te digo.

Pare um minuto.

Movendo-se tão rapidamente para o outro lado desta festa, minha observação perde-se ao luar.

Minhas especulações tem base.

Vale a pena.

Acho que as coisas sempre foram horríveis.

Todo mundo acha isto, pelo menos as pessoas mais perspicazes.

E eu sei que estão certas.

Já estive em toda parte, já vi de tudo e já fiz de tudo.

Muitos acreditam nisto.

Viver, ver, fazer tudo em toda parte.

Porém não é verdade.

Mas também não desbanca a certeza do horror.

Ninguém é capaz de estar em toda parte, ver de tudo e fazer de tudo.

A carne não aguenta e a mente não suporta.

Algumas pessoas em certas situações deveriam abandonar tudo e fugir.

Poucos escapam, ou quando tentam, é tarde demais.

Há tantas coisas extraordinárias na vida de uma pessoa.

1
A solidão da primeira infância.

2
O exagero de sentimentos sexuais da adolescência, início da idade adulta.

3
A verdadeira certeza que vem na meia-idade de que o mundo não gosta de você e que está constantemente tentando te derrubar.

4
A benção da ausência ou perda constante e progressiva da memória que vem na velhice.

5
A sensatez e a integridade da morte que poupa os seres de coisas insuportáveis.

Somos meros animais nascidos em meio a dores, destinados a morrer.

Temos a Guerra. Todo dia guerras em todos os níveis de alto a baixo. Por dentro e por fora. Guerras dentro de guerras.

A sua descoberta acontece cedo em nós, mas quase nunca guardarmos lembrança disso.

É claro que crianças expostas cedo ao seu aperto mais grosseiro, nunca esquecem essa lição.

Mas aí é mais uma visita indesejada dos pesadelos que entopem a noite, do que guerra propriamente dita.

Aí é da mesma natureza que o crime, uma agressão incompreendida durante a infância, suscitando só medo e trauma.

A verdadeira guerra não é isso.

Não é o confronto de anjos com os demônios.

A guerra é uma coisa dos seres humanos.

De tal forma é um assunto das pessoas que parece difícil aceitar que esteja ausente do paraíso.

É uma coisa que vem de dentro, é um jogo a sério que usa a glória como engodo, apesar de ser mortal que chegue para que não haja possibilidade de retorno ao ponto de partida.

Pode voltar-se em corpo, mas volta-se outro.

A guerra surge da nossa alma onde o inconsciente esperneia e se contorce. Lá ela é construída.

Ela que precede a imaginação e a inteligência, a guerra que possibilita a destreza física e incorpora o conhecimento sensorial da natureza, a que anima a coragem e a vontade de vencer, e a que clama por justiça e busca a honra.

O brandir das armas é apenas vento, um turbilhão que se agita na superfície, resultado da guerra que ja revolucionou a mente, permitindo o delírio rancoroso que veste no outro a farda do horror quando está em perigo a nossa família, o nosso sonho ou a nossa vida.

E a nossa vida está quase sempre em perigo.

A guerra que nos distingue dos animais.

A guerra funda a humanidade.

Antes que parta, gostaria de dizer que tens um desses raros sorrisos que trazem em si algo de segurança e de conforto; um desses sorrisos que encontrei umas quatro ou cinco vezes em toda a vida.

Um sorriso que parece encarar todo o mundo, a eternidade, e então se concentra sobre mim, transmitindo-me uma simpatia irresistível.

Um sorriso que me compreende até o ponto em que quero ser compreendido, acredita em mim como eu gostaria de acreditar em mim mesmo e me garante que tem de mim a impressão mais favorável que eu teria a esperança de comunicar.

Um sorriso Gatsby de alguém que sabe escutar as pessoas.

Por isto, obrigada(o) bom divertimento e até breve pois vou caminhar por aí.

Uma perfeita, precisa lua cheia forte brilha até onde a vista alcança então aproveite bem a festa, pois a noite é uma criança.

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A força

Lágrimas escorreram dos meus olhos e não tentei disfarçar.

Estou doente.

O sofrimento me fez a pessoa que sou.

Um grão de poeira solitário, à deriva, flutuando, sem vínculo com nada nem com ninguém.

Ambiciono o sossego.

Sonolentos amanheres.

Longas madrugadas silenciosas e produtivas.

Tardes preguiçosas.

Noites paradas.

Ir trabalhar calada.

“Bom dia fulana(o)”

“Tchau.”

“Eu não me lembro.”

Fique você com o teu ouro.

Com tuas terras.

Com teus carrões.

A bicicleta é o que precisa meus pulmões.

Uma riqueza de 5 anos bebendo todo dia litros de malte escocês matou meu querido marido.

Cirrose.

Lágrimas escorrem dos meus olhos e não tento disfarçá-las.

O sofrimento me faz a pessoa que sou.

Um grão de poeira solitário, à deriva, flutuando, sem vínculo com nada nem com ninguém.

Isto é tão bom.

Eu quero apenas ver as crianças crescer por mais um tempo.

Abraçar elas, observar seus olhos sorrindo.

Preciso deste sossego.

Minha fúria é terrível.

Eu mato sem arrependimentos.

Por isto abraço a paciência, a tolerância.

Outro dia eu vi você tão triste naquele carro importado.

Fiquei feliz por nossos caminhos nunca terem se cruzado.

Nada posso fazer e mesmo que pudesse, não faria nada por você.

Este caminho glorioso é todinho teu.

Roupas de grife, jóias, Ibisa, etc…

No final, a idade, o tempo lhe reduzirá a uma boneca mal feita de barro.

Os predadores, carniceiros e piratas roubarão todos os teus tesouros.

E em muito pouco tempo será para sempre esquecida(o).

Não fique triste você não estará sozinha(o).

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O Clube dos 5 – 2018

 

Tanta porcaria na vida, eu não falo da minha vida particular com desconhecidos.

Nunca jogo nada fora.

Eu já sangrei na rua mais de uma vez.

Fui cortado em bar.

Cortaram meus braço com facas uma outra vez.

Arranquei uma faca segurando na lamina.

O sangue jorrou alto do topo da minha cabeça.

Foi uma cadeira de ferro.

Me feriram com facão outra vez.

Eu arranquei o facão da mão do psicopata e sangrando, fiz ele sofrer.

Cada uma destas frases é um história diferente em épocas diferentes.

Meu carro capotou duas vezes e nem arranhei.

A gente finge que se fala.

A gente se cala.

A arma é o sexo?

Deturpam tudo o que é dito.

O que é que é isto?

Você mente compulsivamente?

Eu trago na carne as marcas que a vida me deu.

Minhas tatoos são cicatrizes.

Prova que sobrevivi por determinação de viver.

Você quer respeito?

Para que?

Se sabe quem você é certamente você se respeita.

Isto é mais que o suficiente.

Quem não tem fraquezas?

Tem frigidez?

Apatia?

Fúria?

É mentiroso(a) compulsiva filha da puta?

O que é anormal?

Todos somos um pouco assim.

Não pensamos por nós mesmos.

Temos medo.

Quer ser mendigo(a), sentar nas calçadas falar com prédios, usar roupas de foragidos e imigrandes doadas, pois a vida não é satisfatória?

Se a vida com os pais fosse boa, você nunca iria desejar sair de casa.

Nunca iria desejar ir embora.

Desejar sumir.

Desejar ser esquecido pelos conhecidos para sempre.

Pela graça do sagrado.

Seja esquecido(a) e esqueça o que você tem dentro de ti.

Um dia talvez possa gostar de si mesmo(a).

Ninguém tem mais valor que outro(a).

Todo mundo sabe fazer alguma coisa.

Não acredita que faz algumas coisas que fez.

E vem a ironia.

As pessoas não valem nada…

Cade a vida?

A maior parte das pessoas não contam, e não faz a menor diferença estar aqui ou não estar.

Qual é a do teu papai e da tua mâmi?

Se quer chorar, vai chorar em outro lugar mas não aqui.

Jure que nunca será como seus pais, e será exatamente isto que será.

Nunca verá o paraíso.

Nem o dragões conhecem o paraíso.

Como será os próximos dias de 2018?

O que reserva o primeiro trimestre?

O próximo semestre, quem saberá?

Quando este intervalo acabar tudo voltará a rotina animal.

As lágrimas podem sim, fazer diferença mundial.

Tacharemos as pessoas e não diremos que gostamos de quem nós gostamos.

Diremos que eles não tem nada a ver conosco.

Eu não tenho amigos, mas se tivesse não faria isto com os tipos de amigos(as) que imagino.

Pode dizer que todos os amigos(as) seriam como a gente.

Existe uma pressão.

O caminho é além da força da minha pequena mão.

Vai se foder!

Quem viver, verá a mesma coisa que os outros viram antes de morrer.

Estou aqui, por que achei uma arma de fogo em minha mente.

Mas não é eu.

É a nova a que adolesce.

Que vê a luz e se ilumina!

é a força que transforma a humanidade.

Ninguém pode parar a criatividade e A inteligência que fode as barreiras, quando as pessoas passam pela fase perfeita.

Só por que eu acertei no projeto e não rolou, por ser perfeito ardeu e me expurgaram.

Porque só tem uma chance e não é engraçado perder.

Para quem tá de fora é engraçado.

Tem gente que se fode todo dia sem ter feito nada.

Melhor a danação via de fato.

Os merecedores inabaláveis, acabam além da mediocridade e vencem totalmente abrindo seu nicho impenetrável no mundo.

Imperdível, inalienável!

Pois para tomar o que foi conquistado; só a morte.

E quando se tem tudo a morte não significa perda nenhuma, é apenas o normal.

Longe de estar morto(a) minha vida é deliciosa e há poucos que podem existir neste mundo com toda a fortuna e maravilhas que eu tenho.

Saiba que creio que você se pensar bem pode estar na mesma situação.

Apenas não está ainda dando o devido valor.

Que se danem os filhos da puta que vierem em 2018!

Vamos torrar todos eles!

Viva!

MUNDO EM RESSACA

Era uma tarde de ressaca, pois o dia bebeu de um trago toda a lava do mundo. Os matizes se esfacelavam na quentura abissal. O sol tragava todas as sutilezas, não deixando espaço para contraste entre o ser e o não ser; Tudo era uma coisa só enegrecida pelo feixe de luz ininterrupto que permanecia a queimar toda sua sanidade. Porém, trazia em suas mazeladas mãos enquanto caminhava pelo solo árido, um pedaço de todo o mundo que, com tudo, ainda conseguia permanecer amornado envolto pelos calos do passado.

Faziam dias que seu corpo, envolto em trapos, vagava sem destino por entre os picos infernais. Existia apenas ele e o sol, ele e o dia, ele e a vastidão imensa. Perdera já há muito a percepção do real: era tudo uma fantasia turva e dada como que em faixas de luz; piscava e apreendia, como que em sonho, um monte; piscava e se via já um pouco a frente; piscava e estava de joelhos; piscava e já não sentia seus pés.

Já não saberia dizer a última vez que se alimentara que não fosse recepções intrépidas de luz eterna. Todo seu ser tremia por descanso. As faixas de luz pareciam como que líquidas e densas, e o chão uma chapa quente que permanecia com sua meta inexorável de lhe queimar o ânimo e o sentido. Mas já fora dito: em suas mãos havia todo o mundo… Parecera possível no início. Disseram-lhe que sua vida era a última a ser vivida no intrépido algoz do tempo – que tempo, senão o destempo? Fizeram-lhe promessas de mártir e compleições eternas junto aos escritos do mundo – que mundo se trazia-o todo em suas mãos? Tolice púbere de um coração esperançoso. Já diria Pandora: sois a esperança e a morte…

Acreditara, enfim, ter chegado. Abrira um foço com suas próprias mãos, não sem antes separar cuidadosamente seu precioso pacote. Permanecera dias no local até conseguir cavar fundo o bastante: suas mãos já não obedeciam o suficiente para serem ágeis e fortes como outrora. Temera inúmeras vezes falhar, mas acreditava estar no local certo: uma elevação rochosa que permitia algum descanso do dia. Sua tez agreste não permitia acreditar em tempos idos, mas quem pudesse ver, se espantaria com o levíssimo sorriso a marcar-lhe a expressão. Jogara o conteúdo do pacote. Pegara um punhado de terra e jogara em cima. Pegara o segundo punhado, esticara a mão e, de repente, caíra de frente, findando-se em um suspiro.

Meses e meses após – talvez anos – quem pudesse, por ventura, passar por lá, veria um esqueleto envolto por raízes. Como no mito de elêusis, da escuridão veio a vida, da luz o fortalecimento e após, a morte: se o calor não permitia o devir, a vida vinha mostrar-lhe o porvir.

 

Autor: Pietro Sanchini