Um sonho povoado esquecido e deslumbrante

 

 

 

2017 Janeiro
Um sonho povoado esquecido e deslumbrante

 

A Carta de Uojahfel
Meu caro senhor,

Saiba que depois de tua vinda a este lugar esquecido, as luzes acenderam-se nas mentes vazias de todos nós deste povoado.

Isto que sou eu, um velho e cansado instrumento, agradece.
O modo como tuas lâminas e teus homens abriram caminho pelos espinhosos dentes das serras, pelas folhas afiadas das distorcidas matas encipoadas foi algo titânico. Não encontrei referência em nenhuma enciclopédia.
Há tanto tempo estávamos esperando a chegada de um libertador. Do libertador. A tantas crianças e adultos falei vezes sem conta que a terra era imensa enquanto os ensinava a escrever e ler nos vários salões da vasta biblioteca que não estão em ruínas.
Falei a eles sobre o grande pacificador que és tu. Tu um dia virias e tínhamos de estar preparados. Falei a eles sobre os gigantes e também sobre os inomináveis, assim como sobre os livros do enlouquecido Ragulli, do enfeitiçado Paheeit e o possuído Wullamad.
Parece que a estrutura desta guardiã do conhecimento, é tão imortal quanto o sol. Tão imortal quanto o conhecimento que ela encerra.
Imortal também é tua glória, meu senhor. Marcaste a face do mundo. Depois de ti, nada nunca mais será o mesmo. Tu sabes, eu sei e todo o mundo conhecido também.

 

Ficaste surpreso ao saber que aqui no meio desta natureza impiedosa, selvagem cheia de penhascos, rios furiosos, feras, cobras, escorpiões, aranhas e fantasmas existia um povo que sabia falar, ler e ainda por cima; eram bibliotecários.
Também fiquei surpreso ao saber que ao chegar aqui, estavas apenas conhecendo apenas mais um ínfimo pedaço da vastidão de tuas terras.
Triste fiquei quando me disseste a beira do intenso fogo que nunca apaga-se não ser possível conhecer todas as áreas que conquistastes com sacrifícios imensos lado a lado com teus irmãos de armas entre gritos, fogo e sangue no espaço de uma vida inteira.
Eu também me angustio de uma forma parecida mas, encerrado na minha grande mediocridade se comparada a tua incontestável grandeza.
O que me maltrata é saber que nunca poderei ler todos os livros da imensa biblioteca onde praticamente nasci e cresci. Meus pais eram também bibliotecários. Estamos aqui vivendo e morrendo cuidando destes livros há não sei quantas eras.

 

Quando penso nisto meu pensamento pássaro voa longe para trás no tempo meu senhor.

 

 

Vejo tudo tão longe e o que vejo é resplandescente.

 

É cheio de glória.
Abriste uma larga estrada até aqui e calçaste com pedras de granito, massa areia e pedriscos. Teus trabalhadores são da quantidade de países ancestrais que li em tomos há muito dado como perdidos. Tua contabilidade ultrapassa o mais opulento pacificador que tenha tido o privilégio de conhecer através do diálogo com seus historiadores há muito mortos transmutados em sabedoria e palavras que nós aqui mantemos. E que alegria imensa a nossa saber que tu e teus arquitetos planejam reformar a biblioteca. Na verdade, as reformas já estão quase completas, mas planejam ampliar ainda mais a biblioteca. Os carregamentos de livros não cessam de chegar e chegar. Mandaste trazer livros de todas as partes do império para cá. Ó maravilha das maravilhas. Pela luz que ilumina e faz arder este couro encarquilhado que sou como sou feliz agora.
Os escribas geniais que enviastes, os tradutores, os mestres de iluminuras a ouro, os historiadores já chegaram e junto conosco estão trabalhando furiosamente num ritmo que alucina e enche minha bomba sanguínea de calor apesar da velhice que me abraça intensamente.
Ah Alexandre, agora sim! Estamos bem.
Eu, meus pais, minhas filhas, meu povo jamais seremos esquecidos graças a ti pois, estamos com livros. Estamos contigo. A vasta Biblioteca de Alexandria 0.01 é realidade sim e minhas noites são longas três horas de magnífico sono tranquilo. Não há nada que possa deter nosso trabalho.

 

Aqui não é Babel.
A Biblioteca de Alexandria será para sempre.

 

Todo o sempre.
Reverentemente despeço-me de tua grandeza.
Teu servo eterno,
— Uojahfel, o isto.

 

 

 

fim

Conto – Eveer Fredy

 

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Janeiro 2017

 

Eveer Fredy passou por muitas coisas em sua história.

Aquele troço nojento novamente achou sua casa.

Arrebentou uma janela e foi entrando.

Tinha uma forma degradante, suja, viciada, violenta.

Olhos grandes, calmos, profundos irradiando ódio e fúria terríveis.

A linha não estava bem esticada.

Então a criatura tropeçou de leve caindo pelas escadas.

Devia ter tido a perna amputada.

Pesquisou e descobriu muitas coisas.

A humanidade acreditava em muitos Deuses.

Aquilo era algo terrível.

Uma besta assassina invencível de origem ignorada.

Podia ser identificada por quem a conhecesse, até em desenhos antigos da idade média.

Não se acha isto nas ferramentas de busca.

Nunca foi exposta.

Nunca ninguém sobreviveu para contar que ela existia.

Parecia que ele jogava.

Iludia-se e pensava quês.

Ele jogava em um antigo fliperama.

Achava que todos os jogos eram farsas.

As pessoas tinham muitos medos.

As grades de energias estavam cheias de carga.

A criatura cavalgou em forma homem distorcido escada helicoidal acima.

Tinha voz em um vibrato arcante.

Existiam trabalhos malignos acontecendo.

Tudo demorava mais do que se pensava.

Era hora de ir.

Quando a vida terminar, a gente brinca.

Não se brinca com tacapes.

Duros, punitivos, frios e imparciais.

Eram amados.

Os gritos de horror e pavor eram lindos.

Guardados em um cofre.

Uma distração perfeita.

Mas não dá para colocar tudo em um lugar só.

Desafio maior.

Usando escudo redondo metálico ligado com fios remendados a grade de energia carregada no subsolo do prédio, correu em direção a coisa.

Correu com determinação e desapego.

Corpo inclinado para frente.

Correu com a força da amada memória de seus pais, amigos, ex-namoradas e todos os conhecidos que agora estavam além da vida.

Fredy era agora só no mundo.

Aquilo nojento havia matado todos que ele havia colocado os olhos.

Ninguém viu nada, ninguém disse nada pois ninguém imaginava.

Ninguém concebia.

Existência miserável, como podes crescer e florescer rodeada de horrores?

Desde a invasão da criatura a aquele lugar, o ar foi ficando a cada segundo mais frio.

 

Nada fixe.

 

Frio pra burro.

Chocou-se violentamente com o monstro.

Redemoinho o colheu, o fez rodopiar e bater contra as paredes.

O vento gelado o massacrava com garras cerradas.

Atônito tentou segurar-se em algo.

Foi em vão.

Neste vendaval maldito tudo girava a velocidade grande.

Clarões o ofuscaram.

Ele viu o vulto sinistro aproximando-se.

Sua boca secou.

Abriu os braços tentando planar como um dublê de cinema debatendo-se.

Um armário passou voando por ele.

Com o maior esforço agarrou um instrumento metálico pontiagudo ofensivo lendário chamado Ascalon.

Algo adquirido num lugar esquisito do mundo que, percorreu de ponta a ponta sempre fugindo mas, simultaneamente buscava algo para matar coisas que não podem ser assassinadas pelos materiais deste mundo.

 

O ser que emprestou Ascalon, era também algo medonho.
Enlouquecedoramente terrível.
Rígido de pavor combateu a criatura inominável Oshasar, o monstro sem nome, com curtos golpes rudes e ignorantes.
Talvez por sorte, talvez por anos de combate desta vez mutilou, feriu, rasgou o ser asqueroso envolto em mistérios insondáveis.
Sentiu uma dor ardente em seu flanco esquerdo.
com a arma varreu os olhos da criatura, decepou uma mão, um braço e por fim com uma estocada venenosa atingiu o tórax daquela coisa mais impura.
Antes de apagar, viu enorme massa negra em processo de evaporação escapar daquilo, com o berro de milhares de almas partindo para lugares mais produtivos.
Quando voltou a si, viu luzes vermelhas banhando cada pedaço de seu corpo machucado.
Esfolado, viu o rosto de um homem asseado, depois uma mulher com olhos técnicos e bonitos.
Entendeu que estava recebendo cuidados.
Estava em uma ambulância rumo a algum hospital.
Quando se entendeu curado, usou a calada madrugada para evadir-se dali sem permissão.
Estourou o servidor, HD e a central de vigilância do lugar arrastando-se pelos corredores como um moribundo que na hora certa atacava com velocidade serpentina.
Ninguém nota loucos e moribundos nestes lugares entupidos de infelizes.
Roubou o carro de um figurão administrativo hospitalar no estacionamento, trocou as placas com o outro carro ao lado e quebrou o dispositivo de rastreio.
Não havia vigias do lado de fora, o orçamento do mundo estava estourado.
Foi-se embora.

 

Quase hora antes, da boca da aurora.
Quando o dia amanheceu, encontrou-se a trocentos quilômetros daquele lugar esquecido e indiferente.

 

Sentiu alma lavada e seu coração puro, iluminou-lhe a cara limpa, limpa com único sorriso verdadeiro.
Incendiou o veículo em estrada vicinal.
Entrou num matagal.
Caminhou e caminhou.
Saiu dele próximo a um jardim solar em ruínas.
Entrou por um cano largo de esgoto.
Saiu dele com uma mochila cheia de artefatos históricos valiosos, roupas embalada a vácuo e um maço de dinheiro.
Nunca mais foi avistado.
Que se dane.
Novas tempestades aproximam-se.
Montes assombrosos infestados de horrores.

 

 

fim

 

 

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— gu1le  😉