O Preço

2017

.

Aqui nestas terras, tem admiráveis coisas lindas.

Aqui também tem horrores fatais terríveis.

Eu não sei o quanto custa as pessoas.

Eu sei, apenas o quanto elas me pagam.

Já te disse, sou o guia turístico.

Você agendou este passeio comigo para hoje.

Hoje, você vê este belo e grande lago aí na nossa frente.

Está vendo?

Sente a umidade no ar?

É apenas o teu verão.

Você só tem apenas este verão.

Vê o vento sereno soprando sobre a superfície das águas ligeiramente encapeladas?

Vê a vasta e alta floresta espelhada nas limpas águas escuras?

Ela, a floresta, é profunda também.

Cavernas, nascentes, ravinas, monumentos pré-históricos e toda uma vida selvagem cheia de energia e fome.

Mas eu te guio para onde não existe fera que vai querer lhe comer.

Você vai se divertir.

Agora o vento amainou, o lago está como se fosse um espelho.

Aproveite o momento, e tire umas fotos.

E eu sei que como eu, você pode enxergar as nuvens e o céu azul nas águas.

Como é linda a luz do sol refletindo este mundo invertido; não é mesmo?

Neste espelho.

Mas muitas vezes, o espelho não é o que as águas deste imenso lago reflete.

O espelho é o mundo e se você entrar neste lago no momento certo, dizem, que se chega a um outro lugar.

Pois bem, alguns me chamam de guia.

Guia florestal.

Agente de turismo.

Naturista.

Louco feiticeiro.

Guardião de portais.

Louco, lunático, até mesmo deficiente mental.

E por aí vai…

Eu acabo tendo muitos nomes, no fim das contas.

Acho que já que, você está aqui comigo admirando toda esta beleza, há de me dar um pouco de crédito.

Mas quase ninguém se importa de me perguntar meu verdadeiro nome.

Não perguntam de onde eu vim.

Turistas não se importam muito com guias, acho.

Turistas querem curtição, diversão, sossego e também aventura.

E por você, aqui estou eu.

Apenas sabem que existe uma pessoa autorizada pelo governo a administrar, orientar, manter a ordem e proteger esta natureza e os visitantes.

Eu e minha pequena equipe.

Mas como posso perceber que você se importa um pouco conosco, te direi.

Ninguém sabe, mas eu nasci bem lá no fundo deste grande lago.

Antes das máquinas movimentarem terras.

Engenheiros desviarem riachos e rios.

Na base deste vale afogado, existia uma cidade humilde cheia de vida.

Hoje em dia, é lago represa adornado de florestas, barras e fauna selvagem.

Parece que algo dos moradores da cidade afogada ainda existe.

Mas é apenas lembrança.

Ironias de fantasmas.

Gente que vive, mas morreu faz muito tempo.

Está vendo aquela parte do lago ali?

Lá num mergulho apneia de 20 metros anos atrás, a pressão me fez sonhar.

Vi os telhados e ruas distantes lá no fundão.

Sombras caminhavam pelas ruas a me chamar.

Prosseguindo na trilha.

Vamos, vamos.

Voltando ao início.

Tire a última fotografia.

E fim.

Até Breve.

Volte sempre.

.

Você chegou hein?

2017
.
Parece que um caminhão te atropelou…
.
Eu andei por tanto lugar.
.
Quando eu estive lá eu vi coisas horríveis, não sei… Acho que fiz coisas horríveis.
.
Olha, você faz o que você tem que fazer. Não importa o que seja.
.
Faz a tua coisa!
.
Faça o que tiver de fazer, e eu te digo:
.
“Não importa seja lá o que você tenha feito.
Não importa o tanto que você ache horrendo, querido(a).
Escuta, e escuta bem!
Tem alguém em algum lugar fazendo pior do que você fez, ou acha que fez.
E está fazendo agora, neste exato momento!
Eu sei!
Eu sei mesmo!
Pode acreditar!
Tem milhões que fizeram pior e tem montes de gentes neste exato momento, eu digo agora, neste exato momento fazendo algo a alguém pior, muito pior do que qualquer coisa você tenha feito.
Lembre-se disto!
E nada, nada é pior do que o que todas as pessoas fazem o tempo todo, todos os dias.
As pessoas fecham os olhos e deixam acontecer.
As pessoas passam direto, fingindo que não veem e deixam acontecer.”

 

.

 

Ela disse: Walter…

2017 – Conto

.

Walter teve uma crise.

Isto aconteceu faz um tempo.

Walter inteligente.

Foi criança inteligente.

Amou e foi amado pelos pais.

Era bom estudante desde pequeno.

Teve o melhor estudo possível.

Estudou e foi estudado pelas instituições de ensino por onde aprendeu.

Inteligente o bastante para conseguir sobreviver sem cometer crime.

Educado, sofisticado, visionário para saber que o esquema era simples.

Esquema cruel e simples.

Eu era amiga dele.

Desde criança eu era amiga dele.

Estudamos juntos.

Crescemos perto um do outro.

Crescemos.

Ele me desejava desde novinho.

Mas eu sabia que eu não era para ele.

Eu também sou esperta.

Ele me idealizava.

Via uma menina e depois uma mulher que não era eu mesma.

Porque eu sei quem eu sou.

Ele ia se decepcionar, e eu não queria de forma alguma ferir o Walter.

Ele era perfeito e correto.

Eu queria e quero o proibido, quero o selvagem.

Enfim queria um homem que não fosse meu irmão.

Na minha cabeça, o Walter é meu irmão até hoje.

Os dias passaram.

Dinheiro foi ganho.

Dinheiro foi gasto.

Sempre fomos companheiros amigos e nos ajudávamos quando acontecia todo o tipo de problema, fosse no trabalho, fosse nos problemas cotidianos.

Euzinha tirei ele de muitas enrascadas e ele fez o mesmo por mim.

Walter continuou estudando e trabalhando.

Eu depois de estudar bastante passei a aprender, cara de pau, as manhas, macetes, malandragens para continuar me mantendo no jogo.

Eu queria e quero até hoje amor, dinheiro e poder.

Sou viciada nisto e assumo sem problemas.

Ao mesmo tempo tenho nojo disto e assumo paradoxos sem problemas.

Mas Walter era mais que eu.

Não sei como pode alguém ser mais que eu, mas ele era.

Admito contrariada e admirada.

Walter era mais profundo.

Profundo.

E Walter foi tão fundo que se perdeu.

Ou talvez descobriu uma grande verdade e começou a beber. Beber e beber.

Já era alto funcionário de um banco famoso quando chegou a este ponto.

Ele era um gênio. Com livros publicados e era uma pessoa que gerou milhões. Manipulou o capital, ações, documentos para grandes empresas.

Por isto, por ele saber demais e saber ficar de boca fechada que ele foi aposentado com 38 anos pelo banco.

Foi aposentado ganhando um salário de uns 12 mil reais por mês.

Muito bem menos do que ele merecia.

A gente morava no mesmo condomínio.

Eu com meu marido e meus filhos que vejo tão pouco mas que mantenho como reis.

Ele após a morte de seus pais sozinho em uma casa enorme.

Mansão.

Nesta época, eu acho que o cérebro do Walter já estava deteriorando-se.

Isto não o impediu de me ensinar como beber e ficar no grau e sobreviver para contar a história.

Ele era engraçado nesta época.

Walter saia a pé da mansão onde tinha um monte de carro caro.

Saía de sandálias, bermuda jeans rasgada, surrada mesmo.

Tipo uns dias sem fazer barba, camiseta de algum time e ia para um boteco que ficava ao lado do condomínio.

Um boteco tipo copo sujo.

Lá ele ficava desde as nove da manhã até as quatro ou cinco da tarde bebendo doses de aguardente.

Tinha vezes que virava noites naquele pé sujo.

Eu levava ele arrastado ao médico quando podia.

Cuidei dele mais do que cuidei dos meus filhos na época.

Mas ele conseguiu ganhar uma bela cirrose.

Numa época em que tudo estava indo muito, muito bem para euzinha, resolvi numa manhã de sábado fresco e azul, passar umas horas com ele naquele copo sujo.

Lá ele me ensinou a fazer coquetéis a começar de baixo teor alcoólico e ir subindo o teor dos coquetéis até quase um êxtase alcoólico e depois ir baixando até dar sono e ter vontade de casa, cama e sono.

Nossos diálogos foram magníficos e teses de doutorado foram escritas graças as ideias desenvolvidas naquele dia.

Você não sabe mas naquele dia, acho que eu e o Walter mudamos o mundo.

Aí fica esquisito.

Eu não entendo.

Walter morreu de cirrose.

Euzinha e uns quatro ou cinco amigos fomos ao enterro.

Como alguém que dominava a técnica de se embriagar tão bem morre de cirrose?

Anos passaram.

Hoje eu entendo.

Minha juventude passou.

Eu venci.

Sou rica pra caralho.

E estou farta!

O tal copo sujo que tinha fechado anos atrás após a morte do Walter…

Eu comprei o terreno e os terrenos ao lado e mandei abrir o copo sujo de novo.

O pior, é que estou ganhando um dinheiro absurdo com ele atualmente.

Eu vou lá todo dia.

Mas vou lá só para beber.

Não falo muito.

Vejo meus filhos passando em carros turbinados.

Vejo meu marido bobo passando com, não sei quem toda noite e nem ligo.

Vou bebendo.

Vou sorrindo.

Aprendi até jogar baralho e aposto.

O chato, é que mesmo caindo de bêbada, eu quase sempre ganho mais dinheiro no jogo do que perco.

Espero que a cirrose venha logo.

Quero saber aonde Walter está.

.

 

Até Breve

😀

.