A verdade de coração

semanickz

Devorando de coração

Ela já havia encontrado o anel de noivado escondido na gaveta de meias dele. Era de se esperar a moça dizer isto. Resolvi continuar em silêncio escutando ela contar sua história. A pequena mentira em que acreditava. Ela fala, eu escuto. Sei que inevitavelmente no final, chegarei temporariamente a alguma conclusão.

Agora ele estava me levando em uma escapadela romântica de fim de semana. Um piquenique na base de uma cachoeira. Era para ser o melhor dia da minha vida, mas agora ele está morto e é tudo culpa minha. Eu estava pronta para dizer sim. É tudo em que consegui pensar no caminho pelo parque estadual. Minha família nunca pensou que duraria, mas eu ia provar que eles estavam errados. Papai o chamava de um garoto bonito, e toda vez que ele via uma princesa da Disney, ele apontava e perguntava: "Ei, esse não é o seu namorado?" Eu apenas sorria e revirava os olhos. Eles pensavam que só porque ele era bonito é que eu estava com ele, que eu estava sendo superficial, mas ele era muito mais do que isso. Ele era gentil, inteligente e engraçado, e ainda mais importante, ele me fazia sentir exatamente como eu merecia. Porque eu sou muito bestinha. Insegura na alma eu desconfio direto. Preciso que alguém me faça sentir princesa, em vez de ir a luta por mim mesma e ver se conseguia ser verdadeiramente uma.

Tudo estava perfeito naquela noite, exceto eu. "Algo" dos Beatles tocava em um aparelho de som portátil, e uma dúzia de velas estavam espalhadas no chão ao nosso redor. Havia champanhe em um balde de gelo, estrelas no céu e o amor da minha vida saindo de sua cadeira para cair de joelhos.

"Hmmm", provavelmente não era a resposta que ele esperava. Não era o que eu estava esperando dizer, mas foi o melhor que eu pude fazer.

- Hmmm? - Ele perguntou incrédulo. - Eu não dirigi todo o caminho até aqui por um hmmm.

Eu estava congelada. Eu ensaiei este momento mil vezes na minha cabeça, mas meus anseios não me prepararam para o terror ofegante do momento real. Tudo o que eu conseguia pensar era nas palavras do meu pai, imaginando se era apenas a aparência dele que me atraía. Daqui a dez anos, quando ele ficar careca e gordo, eu ainda acharei suas piadas engraçadas? Quando tivermos filhos e momentos românticos como esse forem substituídos por tarefas e rotinas diárias, ainda vou olhá-lo da mesma maneira? Ou ainda mais provável, e se ele ficasse entediado de mim?

“Hmmm,” Disse novamente.

“Inacreditável.” - Disse ele. “Fodidamente inacreditável.”

“O quê? Eu não disse não!”

- Você não precisava. - Ele não estava mais ajoelhado. Ele nem estava de frente para mim, apenas olhando para o vazio da noite.

- É uma questão séria! - Eu poderia ter dito sim, mas me senti obrigada a me defender. - Não há nada de errado em tirar um momento para refletir, pensar sabe?

- Leve o tempo que precisar. Eu vou caminhar.

Mais uma vez tive uma chance. Eu poderia correr até ele e abraçá-lo e dizer - Claro, que quero passar minha vida com você! Mas bastou que ele desse alguns passos para sair da escassa luz das velas, eu comecei a me recompor.

O CD terminou de tocar e consegui distinguir um estranho som borbulhante separado do barulho de cascata. Minha respiração rápida ficou bem alta, mas não abafou o sussurro murmurante da água escura.

“Querido? Você ainda está aí?”

O sussurro ficou mais alto - uma voz rouca e baixa que não soava como ele, vindo logo além do anel de luz. Eu não conseguia entender cada palavra, mas algumas eram inconfundíveis.

“Hmmm… Sua dúvida… seu medo… delicioso.”

Essa última palavra soou com particular clareza, prolongada e saboreada como se cada sílaba fosse provada.

Ele estava usando um truque para me balançar um pouco. Isso significava que meu querido não poderia ter levado minha hesitação muito a sério. Eu respirei um profundo suspiro de alívio, mas não tive a chance de exalar completamente antes de ouvir o estalo de galhos. Então, um palavrão abafado - todo o caminho até a colina em que havíamos caminhado.

“Querido, é você?” Eu chamei, minha própria voz tão fraca e insignificante sob a pressão das florestas que se avultavam ao meu redor. "Volte! Vamos conversar.”

- Tudo bem. Estou chegando. - Isso foi da colina novamente. Então não tinha sido ele.

"Eu posso te mostrar", sibilou o sussurro. Uma agitação de movimento atrás de mim. Eu girei bem a tempo de pegar algo como uma lesma longa desaparecendo além da luz. Ah meu Deus, será que estou em um delírio de Lovecraft - Pensei meio anestesiada de medo.

“Eu posso te dizer o que ele sente,” o sussurro veio do mesmo lugar. “Eu posso dizer o que ele realmente quer, e se você pode dar a ele.”

Eu ouvi meu namorado tropeçar - ainda a uma distância razoável de onde eu estava.

- Ok, sim. - Eu disse sim, desperdiçando a benção que é a ignorância relacionada a quase tudo neste mundo.

Se um som pode se enrolar como um sorriso, é exatamente isso que o chiado fez. Então desapareceu, sua sombra quase imperceptível escorregou para a escuridão mais profunda.

"Espere, eu estou quase aí", meu lindo homem gritou da mesma direção.

- Meu querido cuidado! - Gritei sem pensar direito. - Há algo perigoso aqui!

Seu grito oprimiu a água que espirrava e encheu o céu de horizonte a horizonte. Tortuoso, gutural e longo o suficiente para que ele parasse para respirar e começar a gritar de novo.

Eu estava correndo em direção a ele o mais rápido que pude, mas fiz um progresso lento assim que entrei na escuridão. Eu continuei tropeçando em rochas escondidas ou cegamente derrapando através de vegetação rasteira, liderada por nada fora seus gritos, que pareciam durar para sempre.

Mas para sempre é um sonho do qual todos são forçados a acordar, e ele ficou em silêncio no momento em que o encontrei. A lesma que vislumbrei repousou em seu peito, pulsando enquanto se enterrava na sua cavidade de peito esfolada. Era tão largo quanto um tronco de árvore, talvez com um metro e meio de comprimento, talvez mais dependendo de quão profundamente aquilo se movia dentro do corpo dele.

- Você ainda quer saber? - O sussurro veio da extremidade livre da lesma. - Tudo o que ele sabia, tudo o que ele sentia, seu coração não está escondido de mim.

Seria errado ouvir esse monstro que se deleitava com ele? Ou pior, seria desrespeitoso se afastar e perder para sempre seus pensamentos finais? Pela segunda vez naquela noite, eu estava congelada e não disse nada.

"Eu posso provar sua admiração", refletiu a criatura. “Desde a primeira vez que ele viu você, sentada sozinha lendo um livro. O foco inteligente em seu rosto - a maneira como a luz tocava seu cabelo - ele observou você por quase uma hora antes que ele criasse coragem para dizer olá."

"Ele nunca me disse que estava assistindo ..."

"Eu posso provar o seu amor", ele assobiou. “O frescor de seu coração, me enche. Suficiente para suportar cem anos de adversidade. Até a noite no final de todos os dias, quando a idade roubar tudo, menos a graça do seu espírito, ele teria amado você."

Eu tive que ouvir isso. Mesmo chorando, eu não fugiria. Este foi meu consolo e minha punição. Dois em um. O monstro ficou em silêncio por um longo momento antes de dizer:

“Eu amo você também.”

Foi choque suficiente para suspender meus soluços ofegantes.

"Com tudo o que ele era, eu sou", sibilou. "Eu te amo com todo seu coração."

A criatura pulsou. Então, novamente, a ondulação subindo e descendo pela sua massa carnuda enquanto se contorcia. O coração estava à vista, cru e úmido e ainda batendo onde estava agarrado na boca da criatura. Então, engolindo, o coração desapareceu ainda batendo todo o caminho.

"Estou de volta", disse a segunda boca, falando com a voz do meu amor tão clara quanto ar da montanha. "Vamos começar de novo, ok? Não pense demais. Não faça suposições. Não tenha medo. Você quer se casar comigo?"

Eu comecei a chorar de novo. "Sim querido. Claro que sim. Sempre foi sim.”

Eu não iria perder o amor verdadeiro duas vezes em uma só noite. Além disso, talvez agora papai finalmente cale a boca só por amá-lo por sua aparência.

Assim ela terminou a história dela. Mais uma vez. Talvez em um outro mundo um dia ela pudesse. Eu me afastei sem dar as costas e tranquei a porta resistente deixando-a no conforto de sua camisa de força em sua cela acolchoada. Talvez ela até pudesse, se as coisas fossem diferentes. Dizem que tudo é possível hoje em dia. De vez em quando, garotas bonitas também calham de ser psicopatas e por onde passam, vão deixando tudo sujo. Despedaçam e comem de coração. De coração.

horror+stories+blogs

Dicas e sugestões são muito bem vindas.


Até Breve!

🙂

Maria Filosofia

 

Maria que estudou filosofia por diversão em uma universidade federal, um dia me encontrou na rua mendigando encostado em um muro rachado de tanto sol.

Hoje ela é famosa escritora de ficção.

Como ela lembrou de mim não faço ideia.

Nasci bem, cresci perto dela e hoje, sou apenas mais um desgraçado trapo de gente mendigo perdido nesta imensa cidade.

Sem casa, sem saúde, sem dinheiro, sem amigos.

Ela conversou comigo por vinte minutos e foi embora.

Nunca mais vi Maria.

Mas a noite tenho as vezes um sonho em que uma figura aparece senta a meu lado e começa a dizer coisas que acho serem vinculadas a ideia da minha amiga.

Gente que tenta ver a verdade por trás das aparências sofre zombaria, é taxado de maluco.

O Sol é a causa de nossas percepções graças à luz que emite,

O conhecimento não equivale à percepção, pois a percepção não é confiável.

Um cara chamado Hilary Putnam (1926-) sugeriu que os cérebros são os “discos rígidos” que rodam os “softwares” da consciência, assim como os PCs são os discos que rodam os programas de computador.

Isto é algo divertido de pensar.

Uma analogia legal.

Quem pensa por si mesmo é maleável o bastante para se deixar convencer por argumentos.

Quem pensa por si mesmo, confere preponderância a argumentos lógicos sobre analogias, relegando estas últimas a um papel sobretudo ilustrativo.

Se algo pode ser adequadamente demonstrado pelo uso da lógica e dos fatos disponíveis, as analogias se tornam desnecessárias.

Lógica é um modo de raciocinar coerente que expressa uma relação de causa e consequência.

Mas se dizem para excluir a alma?

“Nossos pensamentos e emoções podem ser explicados por referência ao funcionamento de nossos cérebros esqueça a alma!”

Quem aceita isto?

Mas se usar a analogia:

“os cérebros são os “discos rígidos” que rodam os “softwares” da consciência, assim como os PCs são os discos que rodam os programas de computador.”

Fica mais fácil.

Analogia é uma relação de correspondência ou de semelhança entre coisas ou pessoas distintas.

Passa a ideia mas não prova nada.

Analogias nos apontam a direção em que procurar nossas respostas pois quando explicações literais não convencem, analogias, alegorias e metáforas são úteis porque uma comparação adequada pode transmitir uma ideia de maneira fácil.

Agora, provar que nossos cérebros realmente funcionam ou não dessa maneira é complicado.

No dia a dia, o questionamento das bases de toda a nossa visão de mundo tende a fornecer conselhos inúteis.

Chegar a uma concepção do que somos e para onde deveríamos ir é um processo passo a passo, pois a mudança em nossas vidas é feita com base no que aconteceu antes.

Para gozar o pleno benefício do pensamento, as pessoas precisam aprender a ouvir e aprender a ler.

Pois o que é absurdo para um homem, pode ser lógico e racional para outro.

Somos obrigados a esperar a passagem do tempo para revelar o absurdo de uma ideia, política de governo ou de um casamento precipitado, na discussão lógica o processo costuma ser mais rápido.

Quando a luz da razão é desprezada em favor da fé ou da ilusão, estamos verdadeiramente nas trevas no que diz respeito ao conhecimento.

Eu entendo, o que a figura diz. Talvez um dia eu tenha pensado assim. Talvez seja por isto que estou aqui.

Mas eu vou subir de novo, um eu vou voltar a ser gente e ter dinheiro. É inevitável. Eu vou sair daqui e subir de novo. Vejo dois jovens playboys aproximando-se da minha pessoa com um galão de gasolina e fósforos.

Na mente, ouço figura proferir ultima frase.

A natureza é certamente injusta, incontrolável e não podemos esperar que ela seja coerente.

Ó por tudo que é mais sagrado, isto não!

Parece que vou morrer arrebentando nas chamas a gargalhar.

 

Anotações

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Nietzsche em carne, osso e medula, descansa num jazigo em Rõcken há uns 102 anos mais ou menos.

A chuva está mais pesada agora e o céu é de um denso preto. Mas o frio congelante do ar ajuda a combater a náusea.

Durma quando pode para que não precise, quando não puder.

Vai cair uma tempestade.

Todo mundo me fala isso, mas eu não consigo percebê-la chegando.

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Até Breve

O Magro

 

O homem magro tem longos braços, o rosto é vago, vazio. Um perverso demônio silencioso. Amante da tortura, mutilação. Bebedor se sangue e devorador de almas. De idade indeterminada pode ser que exista entre nós há séculos. Milênios talvez.

Nós tivemos a chance de caçar o homem magro e o pegamos.

Éramos quatro jovens no final da adolescência. Tínhamos força, rapidez, inteligência, recursos e desejo de vingança pois, ele tirou de cada um do nós as coisas que mais amávamos.

Creio que nos tornamos um tanto quanto monstros também para podermos antecipar alguns de seus movimentos e ardis.

No final, pegamos ele.

Batemos nele com grossos ramos me madeira cheia de espinhos.

Nós o esfaqueamos com facas e facões muito afiados.

No final nós vergamos duas árvores fortes, amarramos seus braços e pernas nelas e permitimos que as árvores voltassem deste jeito a sua posições originais violentamente arrancando os braços e pernas do homem magro de seu tórax.

Deixamos seu cadáver para apodrecer nas profundezas daquela vasta floresta densa escura e fria.

Cada um de nós seguiu um caminho e tentamos prosseguir com os cacos de nossas vidas.

Mas o homem magro não morreu.

Esta constatação vei a nós ao longo dos anos em pedaços.

Notícias desencontradas, desaparecimentos, relatos estranhos.

Pequenas notícias escritas em jornais de cidades do interior, depoimentos de pessoas enlouquecidas amarradas como animais em manicômios.

Ele é visto em áreas abertas por entre as árvores.

No acostamento de estradas quase desertas.

A noite, ele te observa pelas janelas esquecidas abertas.

Em salas escuras com portas destrancadas.

Seu reflexo é visto em monitores desligados.

Ele é encontrado também camuflado em grandes multidões.

Agora ele mata crianças.

Crianças com menos de 16 anos.

Ele pode alongar os braços e pernas tornando-se muito comprido e te alcança onde que que você se esconda.

Ele pode controlar o corpo da vítima.

Caso você o veja, corra por sua vida.

Se for pego, vai acordar amarrado na árvore onde ele morreu sentindo dor agonizante em seus membros.

Cordas puxando com força teus braços e pernas.

Ele vai te fazer uma única pergunta.

Se responde corretamente ele quebrará teus braços e pernas.

Se responder errado, os longos dedos dele, penetrarão por teu pescoço bem devagar e ele irá arrancar o teu coração.

Cuidado.

Ele pode estar neste momento bem mais perto de você do que imagina.

Eu mesmo o vi ontem nas sombras aos pés da escada daqui de casa.

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O Preço

2017

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Aqui nestas terras, tem admiráveis coisas lindas.

Aqui também tem horrores fatais terríveis.

Eu não sei o quanto custa as pessoas.

Eu sei, apenas o quanto elas me pagam.

Já te disse, sou o guia turístico.

Você agendou este passeio comigo para hoje.

Hoje, você vê este belo e grande lago aí na nossa frente.

Está vendo?

Sente a umidade no ar?

É apenas o teu verão.

Você só tem apenas este verão.

Vê o vento sereno soprando sobre a superfície das águas ligeiramente encapeladas?

Vê a vasta e alta floresta espelhada nas limpas águas escuras?

Ela, a floresta, é profunda também.

Cavernas, nascentes, ravinas, monumentos pré-históricos e toda uma vida selvagem cheia de energia e fome.

Mas eu te guio para onde não existe fera que vai querer lhe comer.

Você vai se divertir.

Agora o vento amainou, o lago está como se fosse um espelho.

Aproveite o momento, e tire umas fotos.

E eu sei que como eu, você pode enxergar as nuvens e o céu azul nas águas.

Como é linda a luz do sol refletindo este mundo invertido; não é mesmo?

Neste espelho.

Mas muitas vezes, o espelho não é o que as águas deste imenso lago reflete.

O espelho é o mundo e se você entrar neste lago no momento certo, dizem, que se chega a um outro lugar.

Pois bem, alguns me chamam de guia.

Guia florestal.

Agente de turismo.

Naturista.

Louco feiticeiro.

Guardião de portais.

Louco, lunático, até mesmo deficiente mental.

E por aí vai…

Eu acabo tendo muitos nomes, no fim das contas.

Acho que já que, você está aqui comigo admirando toda esta beleza, há de me dar um pouco de crédito.

Mas quase ninguém se importa de me perguntar meu verdadeiro nome.

Não perguntam de onde eu vim.

Turistas não se importam muito com guias, acho.

Turistas querem curtição, diversão, sossego e também aventura.

E por você, aqui estou eu.

Apenas sabem que existe uma pessoa autorizada pelo governo a administrar, orientar, manter a ordem e proteger esta natureza e os visitantes.

Eu e minha pequena equipe.

Mas como posso perceber que você se importa um pouco conosco, te direi.

Ninguém sabe, mas eu nasci bem lá no fundo deste grande lago.

Antes das máquinas movimentarem terras.

Engenheiros desviarem riachos e rios.

Na base deste vale afogado, existia uma cidade humilde cheia de vida.

Hoje em dia, é lago represa adornado de florestas, barras e fauna selvagem.

Parece que algo dos moradores da cidade afogada ainda existe.

Mas é apenas lembrança.

Ironias de fantasmas.

Gente que vive, mas morreu faz muito tempo.

Está vendo aquela parte do lago ali?

Lá num mergulho apneia de 20 metros anos atrás, a pressão me fez sonhar.

Vi os telhados e ruas distantes lá no fundão.

Sombras caminhavam pelas ruas a me chamar.

Prosseguindo na trilha.

Vamos, vamos.

Voltando ao início.

Tire a última fotografia.

E fim.

Até Breve.

Volte sempre.

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Você chegou hein?

2017
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Parece que um caminhão te atropelou…
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Eu andei por tanto lugar.
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Quando eu estive lá eu vi coisas horríveis, não sei… Acho que fiz coisas horríveis.
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Olha, você faz o que você tem que fazer. Não importa o que seja.
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Faz a tua coisa!
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Faça o que tiver de fazer, e eu te digo:
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“Não importa seja lá o que você tenha feito.
Não importa o tanto que você ache horrendo, querido(a).
Escuta, e escuta bem!
Tem alguém em algum lugar fazendo pior do que você fez, ou acha que fez.
E está fazendo agora, neste exato momento!
Eu sei!
Eu sei mesmo!
Pode acreditar!
Tem milhões que fizeram pior e tem montes de gentes neste exato momento, eu digo agora, neste exato momento fazendo algo a alguém pior, muito pior do que qualquer coisa você tenha feito.
Lembre-se disto!
E nada, nada é pior do que o que todas as pessoas fazem o tempo todo, todos os dias.
As pessoas fecham os olhos e deixam acontecer.
As pessoas passam direto, fingindo que não veem e deixam acontecer.”

 

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Ela disse: Walter…

2017 – Conto

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Walter teve uma crise.

Isto aconteceu faz um tempo.

Walter inteligente.

Foi criança inteligente.

Amou e foi amado pelos pais.

Era bom estudante desde pequeno.

Teve o melhor estudo possível.

Estudou e foi estudado pelas instituições de ensino por onde aprendeu.

Inteligente o bastante para conseguir sobreviver sem cometer crime.

Educado, sofisticado, visionário para saber que o esquema era simples.

Esquema cruel e simples.

Eu era amiga dele.

Desde criança eu era amiga dele.

Estudamos juntos.

Crescemos perto um do outro.

Crescemos.

Ele me desejava desde novinho.

Mas eu sabia que eu não era para ele.

Eu também sou esperta.

Ele me idealizava.

Via uma menina e depois uma mulher que não era eu mesma.

Porque eu sei quem eu sou.

Ele ia se decepcionar, e eu não queria de forma alguma ferir o Walter.

Ele era perfeito e correto.

Eu queria e quero o proibido, quero o selvagem.

Enfim queria um homem que não fosse meu irmão.

Na minha cabeça, o Walter é meu irmão até hoje.

Os dias passaram.

Dinheiro foi ganho.

Dinheiro foi gasto.

Sempre fomos companheiros amigos e nos ajudávamos quando acontecia todo o tipo de problema, fosse no trabalho, fosse nos problemas cotidianos.

Euzinha tirei ele de muitas enrascadas e ele fez o mesmo por mim.

Walter continuou estudando e trabalhando.

Eu depois de estudar bastante passei a aprender, cara de pau, as manhas, macetes, malandragens para continuar me mantendo no jogo.

Eu queria e quero até hoje amor, dinheiro e poder.

Sou viciada nisto e assumo sem problemas.

Ao mesmo tempo tenho nojo disto e assumo paradoxos sem problemas.

Mas Walter era mais que eu.

Não sei como pode alguém ser mais que eu, mas ele era.

Admito contrariada e admirada.

Walter era mais profundo.

Profundo.

E Walter foi tão fundo que se perdeu.

Ou talvez descobriu uma grande verdade e começou a beber. Beber e beber.

Já era alto funcionário de um banco famoso quando chegou a este ponto.

Ele era um gênio. Com livros publicados e era uma pessoa que gerou milhões. Manipulou o capital, ações, documentos para grandes empresas.

Por isto, por ele saber demais e saber ficar de boca fechada que ele foi aposentado com 38 anos pelo banco.

Foi aposentado ganhando um salário de uns 12 mil reais por mês.

Muito bem menos do que ele merecia.

A gente morava no mesmo condomínio.

Eu com meu marido e meus filhos que vejo tão pouco mas que mantenho como reis.

Ele após a morte de seus pais sozinho em uma casa enorme.

Mansão.

Nesta época, eu acho que o cérebro do Walter já estava deteriorando-se.

Isto não o impediu de me ensinar como beber e ficar no grau e sobreviver para contar a história.

Ele era engraçado nesta época.

Walter saia a pé da mansão onde tinha um monte de carro caro.

Saía de sandálias, bermuda jeans rasgada, surrada mesmo.

Tipo uns dias sem fazer barba, camiseta de algum time e ia para um boteco que ficava ao lado do condomínio.

Um boteco tipo copo sujo.

Lá ele ficava desde as nove da manhã até as quatro ou cinco da tarde bebendo doses de aguardente.

Tinha vezes que virava noites naquele pé sujo.

Eu levava ele arrastado ao médico quando podia.

Cuidei dele mais do que cuidei dos meus filhos na época.

Mas ele conseguiu ganhar uma bela cirrose.

Numa época em que tudo estava indo muito, muito bem para euzinha, resolvi numa manhã de sábado fresco e azul, passar umas horas com ele naquele copo sujo.

Lá ele me ensinou a fazer coquetéis a começar de baixo teor alcoólico e ir subindo o teor dos coquetéis até quase um êxtase alcoólico e depois ir baixando até dar sono e ter vontade de casa, cama e sono.

Nossos diálogos foram magníficos e teses de doutorado foram escritas graças as ideias desenvolvidas naquele dia.

Você não sabe mas naquele dia, acho que eu e o Walter mudamos o mundo.

Aí fica esquisito.

Eu não entendo.

Walter morreu de cirrose.

Euzinha e uns quatro ou cinco amigos fomos ao enterro.

Como alguém que dominava a técnica de se embriagar tão bem morre de cirrose?

Anos passaram.

Hoje eu entendo.

Minha juventude passou.

Eu venci.

Sou rica pra caralho.

E estou farta!

O tal copo sujo que tinha fechado anos atrás após a morte do Walter…

Eu comprei o terreno e os terrenos ao lado e mandei abrir o copo sujo de novo.

O pior, é que estou ganhando um dinheiro absurdo com ele atualmente.

Eu vou lá todo dia.

Mas vou lá só para beber.

Não falo muito.

Vejo meus filhos passando em carros turbinados.

Vejo meu marido bobo passando com, não sei quem toda noite e nem ligo.

Vou bebendo.

Vou sorrindo.

Aprendi até jogar baralho e aposto.

O chato, é que mesmo caindo de bêbada, eu quase sempre ganho mais dinheiro no jogo do que perco.

Espero que a cirrose venha logo.

Quero saber aonde Walter está.

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Até Breve

😀

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Algo está em frente a porta

 

Era pessoa nova.

Jovem.

Aconteceu quando era jovem.

Era de noite.

Escura, morna e calada noite.

Grilos a tritrinar.

Pio de ave noturna.

Vento brincando com galho, ramo e folha lá fora.

Ruido incomum me acorda.

No meu quarto.

Porta do toalete está aberta.

Uma figura delineada pela luz do banheiro me observa.

Totalmente escura emanando fluorescência dos olhos.

Não era ninguém que conhecesse, mas chamei por nomes de familiares.

Chamei uma, duas, três vezes e nada.

Mandei partir.

Gritei uma, duas, três vezes e nada.

Aquele escuro esboçou um movimento.

Berrei por minha mãe, meu pai e por tudo que é mais sagrado.

Socorro!

Aquilo lançou-se rugindo sobre mim, no mesmo instante em que me levantei e num ato contínuo, atirei-me pela frágil janela do dormitório.

Cai sobre o telhado.

Rolei pelo telhado.

Aterrissei de quatro na varanda.

Feri a testa, trinquei um cotovelo, quebrei um dente.

As luzes da casa acenderam-se.

Todo o meu povo saiu correndo para fora acudir.

Meu avô levou-me ao hospital.

Atarantado, o velho chorava e grasnava.

Profundamente me amava.

Os outros ficaram pra encontrar e destruir aquele demônio que estava na minha porta.

Não acharam nada.

A gente não pode chamar de algumas manchas negras de sujeira fedida no chão do meu quarto de alguma coisa.

Melhorei.

Demorou um tempo, mas melhorei.

Anos passaram.

Melhorei.

Ainda moro lá.

Poxa, o pai do meu avô nasceu lá.

Eu também.

Nunca mais vi a figura.

Mas a sombra por trás do meus olhos me diz que estamos sendo observados, e aquilo é imune ao tempo.

Realmente não sei o que era.

Digo que é um demônio.

Digo que um dia vai voltar.

Vai encontrar uma pessoa bem mais preparada.

Eu luto.

Sempre lutei.

Posso perecer.

Todo mundo um dia se dana.

Mas perecerei do jeito que eu gosto.

Tentando descer o cacete naquela coisa ruim, trevosa, pestilenta e inatingível.

 

 

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Até Breve

 

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