2017
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Conto
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Um dia eu entendi.
Entendi uma coisa.
Entendi mesmo.
Movimento é vida.
Movimento é vida e eu sou uma ciclista.
Não sei dizer a época que eu Ana, resolvi ser ciclista.
Mas sei que isto é muito bom para mim.
Sabe, eu tenho carro.
E é um carro bem legal.
Mas eu tenho marido e dois filhos adolescentes para cuidar e carro, custa mais caro que manter dois filhos e um marido.
Eu Ana, acho que carro é bom pra viagem longa.
Viagem longa tipo de um Estado para outro.
Mas usar carro na cidade pra euzinha, eu acho um porre.
Tem dias que eu não posso o carro usar.
Tem multas adoidado e tem radar.
Ficar vivendo com medo do meu carro ser roubado…
Nunca acho vaga de estacionamento…
Acho que não nasci para passar raiva, nem pra ser vítima.
Tem mais…
Tem as crianças a me pedir para ir a lugares que elas realmente não precisam ir.
E tem meu marido preguiçoso que adora dirigir o meu carro.
O trato é ele abrir mão de gastos pessoais dele, e sustentar o nosso carro.
Ele, meu marido é um cara bem legal até.
Ele faz o que pode pra ajudar a família, mas no final, quem sustenta tudo sou eu mesma a Ana.
Eu sou uma mulher ciclista.
Eu sou mãe dos meus filhinhos.
Eu faço meu marido gritar de alegria nas noites que eu quero, se é que você me entende.
Eu decidi dar minha vida a eles.
Mas pra eu Ana poder pegar a grana, eu tenho que estar em movimento.
Movimento físico e mental.
E eu sou uma Ana que faz a empresa da vez, ter o maior lucro possível.
Se empresa pisa na bola comigo, quem sai perdendo é ela.
Quando eu era suave menina fofinha na escola, as outras meninas, me chamavam de Ana Banana.
Eu gordinha, não chorava na frente delas.
Eu chorava no conforto do meu quarto no apartamento dos meus pais.
Pena que meus pais não estão mais aqui no mundo comigo.
Mas eles me deixaram de herança amor, pagaram meus estudos e deixaram até investimentos que eu vou administrando calada.
Ninguém sabe.
Só a Ana Banana sabe.
Talvez você não acredite mas, de banana eu não tenho nada.
Eu chego onde quero chegar, faço tudo nos conformes.
Mas eu chego lá sempre pedalando e ai de quem venha fazer graça com euzinha.
Eu pedalo!
Eu pedalo mesmo!!!
Eu chego aonde eu quero rapidinho e vejo o tráfego e prevejo situações de risco a integridade do meu ciclismo.
Mas tem coisa que me chateia.
Uns cachorros e cachorras.
Quando eu saio do prédio, tem uma cadela de rua bonita e amarela que me late.
Ele me conhece.
Não gosta da Ana, mas tem medo.
Ela me late e eu direciono a bicicleta em cima dela.
A cadela senta de bunda no chão e desvia.
Eu ralho com ela.
Ameaço persegui-la e ela sai trotando e latindo de raiva pra longe, olhando pra trás onde eu estou.
Todo dia é isto.
Eu não quero nunca fazer mal a ela.
Ela não quer me morder, acho…
Mas a cadela todo dia fica me esperando pra latir pra mim a Ana.
Acho que ela quer que eu saiba, que ela não gosta de mim.
Ou talvez, esta cachorra me ame.
Acho que eu sou a única pessoa no mundo que dá alguma atenção a ela.
Mas eu tenho tanta coisa pra fazer.
Eu vou pedalando para o trabalho.
Eu vou pedalando pra tudo quanto é canto.
No percurso, sempre uns dois ou três cães latem para mim.
Eu enfrento eles.
Eles sabem que eu não tenho medo.
Eu encaro as paradas.
Eu sou Ana a ciclista.
Todo dia quando eu pedalo, só o meu bom-senso e minha experiência na Bike salva minha vida.
Eu sempre chego lá e sempre chego mais rápido que carro e buzão, por que eu conheço atalhos que veículo nenhum passa.
E na minha Bike, congestionamento não é problema.
Eu dou é risada.
Eu evito rotas de motoboys.
Amadores.
Eu descobri centenas de caminhos alternativos na cidade.
Eu avanço por escadarias, pedalando e pulando de lado.
Sou una com a minha Bike.
Atravesso alamedas e caminhos esquecidos, é quase um mundo paralelo outsider.
Em certas partes do percurso encontro outros ciclistas e temos uma rede de contatos.
Qualquer treta com um celular meia boca, eu aciono o alarme.
Sempre aparece alguém.
Eu mesma já ajudei outros ciclistas.
A gente sabe se virar.
Uma vez um cara tentou levar minha Bike usando uma faca.
Você não sabe a perna forte que uma ciclista tem.
Eu dei um chute na canela deste cara.
Foi tão potente o chute que a perna dele quebrou.
Eu tive sorte e naquele dia descobri que era destemida.
A gente não deve nunca abusar da sorte.
Só me preocupo um pouco com os cães…
Medo meu.
Eles são milhões nesta cidade.
Infelizmente existem casos de violência entre matilhas e pessoa.
Eu sempre tenho umas bombinhas de cem quando tem muito cachorro amontoado por perto.
Gostaria que cuidassem melhor dos animais.
Mas o mundo não se importa com ciclistas, vai dizer que ele se importa com o bem estar dos cachorros desta imensa cidade?
Eu me importo.
Bom, meu nome é Ana.
O dia amanheceu.
Eu estou alongada.
Minhas pernas são fortes e bonitas.
Eu me sinto uma mulher bonita.
Vou trabalhar, ganhar dinheiro e vou ver o mundo!
Estou nas ruas agora.
Tem um bom sol nascente neste momento enquanto estou pedalando.
Vem endorfina!
Vem!
A delícia!
Apesar do capacete, o vento sopra meus cabelos.
Este mundo todo é meu.
Até Breve.
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Obs:
Uma boa bike pra pedalar pelo mundo, não pode ser muito cara. Bike cara chama assalto e latrocínio. Viaje leve. Cuide-se bem! Abs.
–Ana
(ex Ana Banana)
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